terça-feira, 1 de março de 2011

Chico Alencar defende reconstrução da ponte entre a sociedade e o Parlamento em seu discurso na disputa pela Presidência da Câmara

           Sras. Deputadas — e começo pelo feminino sub-representado nesta Casa, onde as maiorias sociais nem sempre têm a expressão política devida — , Srs. Deputados, cidadãos que acompanham esta sessão: nós, aqui — e o traço do arquiteto sábio revela isso — , somos o centro do poder político na institucionalidade brasileira.Todos nós tivemos mais de 95 milhões de votos, o que representa 71% do eleitorado brasileiro.
           
           Por isso, quando discutimos Mesa Diretora da Câmara e Mesa Diretora do Senado, temos a altíssima responsabilidade de expressar bem o anseio da população brasileira em relação a essa expressão política. Portanto, não falarei aqui de uma proposta interna corporis, de uma proposta corporativista. Mais do que construir prédio, nós precisamos reconstruir a ponte entre a sociedade e o Parlamento. Mais do que criar qualquer adicional para o bom exercício do mandato, precisamos muito anexar cada momento deste Parlamento ao querer e ao sofrer sentido da nossa gente.
   
            Por isso, eu quero dialogar com todos os Parlamentares aqui presentes, alguns dos quais são novos, do ponto de vista da Legislatura que se inicia hoje. A sessão de posse que ocorreu hoje pela manhã revelou uma emoção muito grande — emoção maior, é verdade, para aqueles que aqui chegam pela primeira vez, e isso é naturalíssimo — e todos perceberam que este 1º de fevereiro tem um significado especial na sua vida. Mas não por nós mesmos — porque cada um carrega a sua delícia, a sua dor, o seu drama pessoal, a sua esperança, todo ser humano tem essa condição maravilhosa e trágica —, e sim porque hoje nós aqui estávamos na condição de representantes da população.
           
            Portanto, seria muito bom que, a exemplo do Senado, onde assisti à sessão de eleição do Presidente, tivéssemos uma postura grave, séria, atenta para cada um que aqui vem trazer suas propostas. Os 513 Parlamentares, cada um com os seus muitos assuntos e suas várias representações, têm muito o que conversar, falar e divergir, mas é claro que há momentos singulares. O poeta Fernando Pessoa diz: Para ser grande, sê inteiro: nada/ Teu exagera ou exclui/ Sê todo em cada coisa/ Põe quanto és no mínimo que fazes.
           
          Seria muito bom que ao longo desta Legislatura, em primeiro lugar, tivéssemos a presença constante da maioria absoluta dos Parlamentares; e, em segundo lugar, que cada vez que teclássemos ali para expressar o nosso voto isso fosse feito com inteireza, com grandeza, com luz, com consciência.

            O passo inicial é reconhecer algo que nos incomoda a todos. Hoje vi uma bela entrevista do meu querido colega e irmão Deputado Henrique Fontana — não pedirei seu voto porque sei que é muito ligado ao seu partido e, ainda por cima, é gaúcho —, que dizia: A reforma política é fundamental. E é mesmo! Os partidos vivem em crise de representação. Nós, socialistas, somos pouco socialistas na nossa prática; vivemos uma democracia do capital, muitas vezes. Nós, ambientalistas, não temos atitudes viscerais ecológicas; o discurso ambiental é central na nossa fala e periférico na nossa atitude.

            Nós, na pluralidade, somos homofóbicos, Jean; machistas, Deputada Janete; somos exclusivistas, somos privatistas, somos individualistas.

            Fiquei hoje também muito comovido no Senado ao ver o jovem Senador Randolfe Rodrigues, que aqui está, desafiar o consenso em torno de um nome tradicional, do velho patrimonialismo e da oligarquia brasileira. Que consenso é esse? Consenso aparente, forjado, em nome de uma proporcionalidade de cargos nas Comissões — o que têm seu elemento de justiça — significa abrir mão de princípios? Não é correto. Não é justo. Não é assim que se constrói a política.
            Por isso, esta candidatura é uma expressão, um símbolo da necessidade de resgatar o papel do Legislativo na nossa sociedade, de dar nervo e vida a este belíssimo prédio que ocupa o centro da Praça dos Três Poderes. Poderes que, aliás, precisam, em primeiro lugar, ser constantemente controlados pela população, sim.
Portanto, austeridade, transparência, ética são princípios cardeais para o Executivo, para o Judiciário e, obviamente, para este que é o Poder mais aberto, embora ainda insuficientemente aberto, o Legislativo.
          
           Esta não é uma candidatura dissidente, pois é antes partidária. Não é uma candidatura oficialista a partir de um consenso que tem a ver com cargos na própria estrutura da Câmara dos Deputados ou do Governo. É uma candidatura de uma concepção política que eu, com todas as minhas limitações, tento expressar aqui, não apenas em nome de Ivan Valente e Jean Wyllis, de Marinor Brito e Randolfe Rodrigues, nossos Senadores. Muitos Deputados, muitos Senadores sabem que nós precisamos requalificar a política no Brasil.
           
          O povo lá fora não dá a importância devida a este momento porque é induzido a se desinteressar da política, exceto no período eleitoral. Será por educação precária? Será por despolitização? Será por falta de informação? Sim. Mas é também por desinteresse, por apatia derivada da nossa própria prática política tantas vezes fisiológica, tantas vezes clientelista.

            Por isso, o PSOL traz aqui, nesta hora importante, propostas que não são do PSOL; são da recuperação do Parlamento.

            Registro o belíssimo pronunciamento do Senador Randolfe Rodrigues nos Anais desta Casa. Por vezes, nossas palavras, e isso é próprio do Parlamento, vão além do breve momento em que são pronunciadas. Por vezes, a soma matemática dos votos — ainda que 10% deles sejam do Senado Federal, o que não é pouca coisa, dadas as condições de estrutura e acordos de poder — não revela o que é perene. Por isso, deixo aqui a bela e significativa fala do Senador Randolfe.

            Quero, ainda, deixar registrados nesta Casa nossos projetos para o resgate do Legislativo, dentro dos princípios fundamentais do protagonismo. Nós não somos Casa homologatória do que o Executivo determina. Independência significa fiscalização sempre. CPI não é instrumento de oposição coisa nenhuma; é instrumento de fiscalização e deve existir sempre que necessário — ou será que a ética só vale quando estamos fora do poder, e a hipocrisia é a norma? Não.
           
            Nós queremos, por exemplo, que a chamada Lei das leis seja de fato derivada de um saudável processo legislativo, com valor real. Orçamento com responsabilidade tem de ser impositivo, senão será peça de ficção, e nós ficaremos sempre apenas buscando emendas individuais para garantir uma reprodução de mandato que não é mandato efetivo na transformação social, na redução da desigualdade social de que o Brasil tanto carece. Reforma política, como eu já disse aqui, se mantida fora do financiamento público exclusivo, resultará sempre no que todos aqui, sem exceção, sabem: só se elegem aqueles que conseguem amealhar muitos recursos — o que, não raro, leva a caminhos heterodoxos, digamos assim — ou aqueles poucos, e cada vez em menor número, chamados Deputados de opinião.
           
           Se não encararmos neste ano, independentemente do humor do Executivo, uma reforma política radical, democrática e substantiva, a representação viverá uma crise permanente, e os escândalos se sucederão.

            Queremos também que algumas emendas constitucionais — e há 185 pendentes! — sejam votadas com prioridade. Isso é fundamental. A PEC contra o trabalho escravo, a do voto aberto no Parlamento e outras, que não “beneficiam”, mas fazem justiça mínima a categorias profissionais. Tudo isso nós temos de enfrentar, porque o Parlamento é o espaço do dissenso e da divergência. Queremos ainda que o preceito constitucional da auditoria da dívida pública, jamais realizado, jamais cumprido, seja efetivado.
           
            O Parlamento é o espaço do grande debate nacional, meu amigo Stepan, e o debate nacional não pode ser feito apenas depois da peça de teatro, nos bons botecos da vida; ele tem que ser feito sobretudo aqui. E este ano, Deputado Alessandro Molon, nós temos o Plano Nacional de Educação, o que vai exigir muita qualidade do debate plural deste Parlamento, para que cheguemos a 10% do PIB para educação.

            Esses são apenas alguns exemplos de uma pauta rica, alentada, como, ainda a defesa dos biomas e da biodiversidade brasileira, tão maltratada e, como se vê, de forma tragicamente criminosa. Eu e mais 45 colegas do Rio de Janeiro estamos de luto por pelo menos 873 mortes já confirmadas e por 450 pessoas desaparecidas, em razão de tragédia ocorrida numa região belíssima de nosso Estado. Não foi só a força da natureza: foi também a incúria do poder público — minha, de cada um de nós aqui.
Nós temos de enfrentar essas questões. O mundo está mudando, e o Parlamento não pode ser a casa da inércia, do bom emprego, da acomodação, do nepotismo, da mesmice.
           Nós queremos também a garantia dos direitos das chamadas minorias, que sofrem discriminação — a Cidadania LGBT estava aqui, vivamente, dando cor e força à celebração da posse. Discriminação secular contra as mulheres, discriminação contra etnias — a cor da pele é apenas a roupa que nos veste, mas, junto com a exploração econômica, significou, secularmente, opressão.
Agostinho Neto, grande político da República Popular de Angola e um dos líderes da sua independência, dizia: Minhas mãos colocaram pedras nos alicerces do mundo. Mereço o meu pedaço de pão.

            Sr. Presidente, eu estou aqui para reforçar essas propostas, pedir o voto consciente, nessa concepção política, agora. E, tendo iniciado citando Fernando Pessoa, concluo também com ele, dizendo que represento um projeto e uma concepção: Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada. / À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
 
Sonhemos juntos.

Muito obrigado.